quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Um pouco sobre a cultura do brincar

CULTURA: ALGUMAS POSSIBLIDADES DE INVESTIGAÇÃO
Iany Bessa Silva Menezes¹
Para compreendermos a educação, enquanto instrumento de formação do indivíduo, é imperativo analisar sua relação com a cultura, estudar de que maneira uma determinada cultura é assimilada pelos indivíduos e como esses acabam por encarná-la, refleti-la e transformá-la, uma vez que esta não se refere exclusivamente à herança genética, mas ao “...produto da inter-relação das potencialidades genéticas do indivíduo, dinamizadas em função de estímulos da educação e das excitações do ambiente”. (MARCONI, 1998, p. 39)
Não pretendemos, entretanto, esgotar o assunto ou a análise da cultura, uma vez que inúmeros intelectuais ainda não conseguiram chegar a um consenso no que refere a sua definição.
Desde o final do século passado, os antropólogos vêm elaborando inúmeros conceitos sobre cultura. Apesar da cifra ter ultrapassado 160 definições, ainda não chegaram a um consenso sobre o significado exato do termo. (MARCONI, 1998, p. 42)

Ainda segundo Marconi (1998), para alguns escritores, cultura nada mais é do que um comportamento apreendido. Para outros, não é o comportamento, mas sua abstração que caracteriza a cultura. Há também aqueles que defendem que a cultura consiste em idéias. Existem ainda os que consideram como cultura apenas os objetos imateriais; outros apenas os materiais e outros, por fim, tanto os materiais como os imateriais.
Para Santos (2005) Há uma preocupação em estudar as diversas culturas humanas para melhor compreendê-las, essa preocupação é bem viva nos tempos atuais e se volta tanto para a compreensão das sociedades modernas e industriais quanto das que iam desaparecendo ou perdendo suas características originais em virtude daqueles contatos.
Ainda em Santos (2005) cultura se entende de diferentes maneiras, pois todos esses estudos ao longo dos anos, não trouxeram nenhuma definição clara e comum a todos os estudiosos. Para alguns, cultura está relacionada com conhecimento, estudo e educação formal. Para outros, se refere unicamente às manifestações artísticas como música, o teatro, a dança, a pintura. Ela ainda é identificada quando falamos em cultura da nossa época com os meios de comunicação de massa, como o rádio, o cinema e a televisão. Cultura se reporta também, às festas e cerimônias tradicionais, crenças, modo de se vestir, costumes, lendas, gastronomia, maneira de se falar, danças e folguedos.
O grande poder das nações européias sobre o mundo no século XIV fez com que a preocupação com a cultura se intensificasse. Aumentaram o contato entre o mundo e a Europa industrializada a espera de novos mercados. A influência européia "dominou" as sociedades antes isoladas. Nesta época a cultura então generalizada como questão cientifica foi tratada sistematicamente pelas ciências humanas.
A cultura, pode (e deve) ser analisada por vários ângulos ao mesmo tempo. As idéias, as crenças, os costumes, os artefatos, os valores e tudo o mais que é produzido pelo homem em sociedade deve ser considerado quando do estudo da cultura.
Qual seria então a relação entre a cultura e a educação? Como a cultura é um conjunto de idéias e comportamentos apreendidos pelos indivíduos em uma sociedade e a educação o instrumento social de transmissão dessas idéias e comportamentos que caracterizam o indivíduo, então os dois termos possuem uma intrínseca relação, uma vez que, ao mesmo tempo, a educação é fruto da cultura e agente de transformação da mesma.
1.1 Cultura local
Uma das principais características da nossa cultura é a diferenciação interna. Esta diferenciação decorre basicamente dos diferentes grupos etnográficos e, consequentemente, dos diferentes processos de educação em que a população se posiciona. Por conta disso, ao estudarmos nossa cultura, poderíamos nos preocupar em saber qual seria a nossa cultura nacional, em que grau os meios de comunicação de massa interferem nessa cultura e até que ponto ela é a síntese da nossa diferenciação interna. Outro fator importante no estudo da cultura, acrescenta Santos (2005), é a definição do que seria cultura erudita e popular. Sendo a primeira característica das classes dominantes e a segunda sendo as manifestações culturais espontâneas do povo, diferentes da alta cultura.
Nesse sentido, a cultura popular se caracteriza por seu caráter revolucionário, de resistência à dominação. No entanto, os meios de comunicação de massa, devido ao ritmo acelerado da produção, tentam massificar a cultura popular, gradativamente injetando fragmentos da cultura dominante.
Na sociedade contemporânea, afirma Santos (2005) a cultura não se resume ao conteúdo dos meios de comunicação de massa, pois não são nem reflexo da cultura dessa sociedade. A cultura nacional é a cultura que é comum numa sociedade nacional. Uma dimensão viva, que é importante não só para o conhecimento dos processos internos mas, também, importante para compreender como se dão as relações internacionais.
Não há sentido em ver a cultura como um sistema fechado. A cultura em nossa sociedade não é imune às relações de dominação que a caracterizam, mas é ingênuo pensar que se a cultura comum é usada para fortalecer os interesses das classes dominantes, não é por isso que ela deva ser jogada fora. O que interessa é que a sociedade se democratize, e que a opressão política, econômica e cultural seja eliminada.
O saber e poder se consolidam com o processo de formação de nações modernas dominadas por uma classe social. Por outro lado consolidam-se integrando a nova ciência do mundo contemporâneo, que rompe com o domínio da interpretação religiosa, transformando a sociedade. Atentamos especialmente para o confronto das diferenças entre a “elite/culta” e “povo/popular” sobre a perspectiva antropológica. O grupo da “elite” julgando-se detentor do saber sempre se exclui do grupo destacado como “povo”. Mas quem é a “elite” e quem é o “povo” do qual se refere o autor, SANTOS 2005. A forma sutil como agimos frente a outros grupos, tentando rotulá-los, discriminá-los, demonstramos diariamente exemplos etnocêntricos, quando supervalorizamos nossa cultura.
Para Sodré (1974), etnograficamente o grupo do “eu”, em contraposição ao grupo do “outro” ,do diferente, é aquele que é visto como o primitivo, o não civilizado, e que se opõe ao desenvolvimento da civilização; por sua vez, o “povo”, em contraposição à “elite”, é a massa homogeneizada composta por várias camadas sociais. È necessário que haja um ponto de equilíbrio para unir esses dois extremos.
Como unir os opostos, “elite” e o “povo”? Acredito que este problema só poderá ser solucionado se pensarmos a cultura no plural e no presente e que se parta de uma concepção não normativa e dinâmica. Devemos transformar a diferença em uma relação capaz enriquecer a cultura do “eu” com aquilo que o “outro” tem de diferente, melhor dizendo, é conhecer a diferença, experimentando a própria “cultura popular” como diferente, em vez de ignorá-la devemos absorvê-la ou aprender com ela. Pois, assim, podemos manter uma relação harmoniosa de contribuição mútua com começo, meio e fim.
No intuito de compreender a sociedade da qual as crianças fazem parte, muitos profissionais de várias áreas já buscaram no universo lúdico respostas as suas inquietações, queremos refletir e discutir as possibilidades culturais que as crianças possam participar, sendo as brincadeiras, as principais atividades mais voltadas ao seu mundo infantil. Essa cultura é uma realidade dinâmica e transformadora, sendo nesse caso um processo histórico realizado pelo próprio homem. Existem inúmeras brincadeiras a nível mundial. Tavares (2004) diz que brincar é patrimônio cultural porque forma elos de integração social, na medida em que perpetua o jogo social dos futuros indivíduos.
Nos questionamos, sobre qual seria o sentido de pesquisar, documentar uma herança relativa aos modos de ser de um povo num momento social determinado? Há uma imensa necessidade de conservação do patrimônio cultural, assim quando se pensa no sujeito e sua cultura não se pode deixar de citar o brincar como patrimônio cultural, deve-se preservar brincando através do resgate da infância para levar os indivíduos a perceberem o desenvolvimento da vida em sociedade que lhe dá a verdadeira identidade.
Então, no que diz respeito à cultura popular, a educação surge para intermediar a questão da “diferença” através do processo harmonioso de reciprocidade como forma de entendimento, de diálogo entre os povos, assim como a cultura popular busca dialogar com a cultura erudita. ARANTES (2006, p. 25) O ponto de partida usual do trabalho do educador é a observação direta de indivíduos se comportando face a outros indivíduos e em relação ao meio.
Em nosso cotidiano codificamos e decodificamos mensagens operando assim com códigos da nossa própria cultura ou a partir deles. Por quê então não buscamos educar as crianças valorizando a arte, o brinquedo e a imaginação? Devemos entender a educação como algo lúdico e estético, considerando os sentidos, as expressões de nosso primeiro olhar sobre o que é vivido e o que é simbolizado pela criança .
1.2 A criança e a cultura
De acordo com Sarmento (2003) o estudo etnográfico da infância tem como ponto básico a forma como se interpreta a autonomia em relação aos adultos. Ele admite que o debate está em saber se as significações autônomas das crianças se compõem e se concretizam em sistemas simbólicos padronizados, ainda que de forma dinâmica e heterogênea, em culturas.
Ainda para Sarmento (2003, p.08) essas formas de cultura se confirmam e se ampliam em maneiras específicas de comunicação intra e intergeracional e:
Possuem dimensões relacionais: constituem-se nas interações de pares e das crianças com os adultos, estruturando-se nessas relações formas e conteúdos representacionais distintos.
Exprimem a cultura social em que se inserem, mas o fazem de modo distinto das culturas adultas, ao mesmo tempo em que veiculam formas especificamente infantis de inteligibilidade, representação e simbolização do mundo (2003, p.08).

James e Prout (1997) apud Müller (2006) defendem a necessidade de uma nova concepção de infância, dando voz às crianças, e as considerando como objeto de estudo do seu próprio direito, sem que elas sejam vistas como depósitos do que os adultos têm a ensinar. Os autores apontam como outras características importantes desse novo modelo de infância:
Análises comparativas através das culturas revelam uma variedade de infâncias em vez de um fenômeno único e universal;
As relações sociais das crianças e suas culturas são dignas de estudo em seu próprio direito, independente da perspectiva e das preocupações dos adultos;
Crianças são e devem ser vistas como ativas na construção e determinação de suas próprias vidas sociais, da vida de todos aqueles ao seu redor na sociedade em que elas vivem (JAMES & PROUT, 1997 apud MÜLLER, 2006, p.557).

Sarmento (2003) argumenta que mesmo a infância sendo específica de cada criança, ela sempre sofre generalizações pela Convenção dos Direitos da Criança e pelas normas de agências internacionais que regulam e configuram uma infância global por causa da simbologia da infância.
Sarmento (2003) ressalta ainda a importância de se considerar uma globalização que ultrapassa as barreiras da cultura local de cada criança. Os produtos culturais que cada mercado oferece para a criança colaboram para a universalização da infância, dando a impressão de existir apenas uma infância no mundo, onde as crianças compartilham dos mesmos aprendizados, mesmos gostos, mesmos afazeres, etc. Assim, as culturas que se produzem para as crianças precisam ser entendidas a partir de duas dimensões: A cultura infantil produzida pelas grandes corporações internacionais e a cultura infantil escolar.
Salienta-se, também, que é fundamental que se considerem as culturas produzidas pelas crianças que se apresentam por meio da reinterpretação constante de cada grupo de criança, dos elementos e descrições culturais. Da mesma forma, a escola é responsável pela produção de influentes componentes culturais que tem o objetivo de produzir uma infância globalizada.
Buckingham (2002) apud Müller (2006, p.559) afirma que a escola “é uma instituição social que constrói e define de forma eficaz o que significa ser criança, e criança de uma determinada idade”. Buckingham destaca alguns artifícios da escola que reforçam como são as crianças e como elas devem ser:
De acordo com Frago (1995) apud Müller (2006, p.560) a cultura produzida pela escola é “toda a vida escolar: atos e idéias, mentes e corpos, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer”. Ele destaca que os tempos e os espaços escolares são os elementos responsáveis pela organização de uma cultura específica. Esta cultura é compreendida como:
... o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, normalizados, rotinizados, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas (Forquin, 1993, p.167).

Vale ressaltar que as crianças são participantes e protagonistas tanto na escola como nas outras instituições de socialização, porque conseguem desfazer certas lógicas e refazer seu papel de criança e aluno.
Portanto, é essencial a análise da relação entre a cultura e o brincar, uma vez que a cultura determina hábitos, como as brincadeiras, que são transmitidos de pais para filhos e são determinantes para a formação dos indivíduos.

REFERÊNCIAS
BROUGÈRE, G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 1997.
FORQUIN, J.-C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
PINTO, M.; SARMENTO, M.J. (Coord.). As crianças: contextos e identidades. Braga: Centro de Estudos da Criança, Universidade do Minho, 1997.
SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. 16ª ed. São Paulo: Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, 2005.

SANTOS, Santa Marli Pires dos. Brinquedoteca: O lúdico em diferentes contextos. Petrópilis, RJ: Vozes, 1997.
SANTOS, Santa Marli Pires. Brinquedo e infância: um guia para pais e educadores em creche. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
SANTOS, Santa Marli Pires. Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.
_________________. Brinquedoteca: o lúdico em diferentes contextos. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
SARMENTO, M.J. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. Braga: Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Minho, 2003. (texto digitado).
SCHWARTZ, Maria Gisele. Dinâmica lúdica: novos olhares. Barueri, SP: Manole, 2004

Um comentário:

  1. Olá Iany,

    Tenho interesse em me especializar em Arte Educação. Sou formada em Artes Plásticas pelo IFCE, que é onde estou ensinando atualmente, como voluntária. Infelizmente não estou morando mais em Fortaleza e por isso não posso ir à sala da Arte na Escola, no Itapery para obter as informações que preciso. Você pode me ajudar? Meu e-mail é saragoes@ifce.edu.br. Por favor, entre em contato.
    Grata!

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